Os filósofos de Mileto

16/05/2011 13:23

 Já culpamos anteriormente Pitágoras por ter sido o criador do termo Filosofia, mas a “culpa” de sua existência não é somente sua. Por volta do século VII antes de Cristo, em Mileto na Jônia, surgiram os primeiros pensadores que hoje chamamos de filósofos devido às características de seu pensamento.

Vimos que até então o mito era utilizado para explicar a origem de todas as coisas, mas bastava encará-lo de maneira um pouco mais racional para encontrar  nele diversas contradições.

Os filósofos de Mileto eram também chamados de naturalistas, por estarem envolvidos em reflexões relativas à physis (natureza num sentido amplo como realidade primeira e fundamental) na tentativa de encontrar uma explicação para a origem, ou o princípio (arché) de todas as coisas, por isso também são chamados de monistas. Foram eles: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto e Anaxímenes de Mileto.

Existem diversas histórias atribuídas a Tales de Mileto, mas todas elas nos levam em suma ao pensamento filosófico atribuído a ele. Dizem que ele foi muito atuante na política, e contribuiu consideravelmente para a astronomia e a matemática (você já ouviu falar no teorema de Tales?).  Para Tales de Mileto, a realidade originária (quid) da physis e seu fim último é a água. Ele partiu de observações simples, relacionadas à vida. Como se pensar na vida, sem pensar na água? Evidentemente essa idéia avançada para a época, hoje é considerada absurda tendo em vista os avanços epistemológicos. Contudo, não se sobe ao último andar de um prédio sem elevador, sem percorrer todos os degraus. Outra ressalva deve ser feita: a água de que fala Tales não é o elemento químico H2O, mas coincidia com um princípio original não limitado à matéria como a entendemos nos dias de hoje. Não temos escritos conservados de Tales, a não ser através de terceiros como, por exemplo, Aristóteles que escreveu na Metafísica, p.16 (ARISTÓTELES. Volume 2. Metafísica – Livro I e II; Ética a Nicômaco; Poética. São Paulo: Abril Cultural, 1984. Os pensadores): “Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser água [o princípio] (é também por este motivo que ele declarou que a terra assenta sobre água), levado sem dúvida a esta concepção por observar que o alimento de todas as coisas é úmido, e que o próprio quente dele procede e dele vive (ora, aquilo donde as coisas vêm é, para todas, o seu princípio). Foi desta observação que ele derivou tal concepção, como ainda do fato de todas as sementes terem uma natureza úmida e ser a água, para as coisas úmidas, o princípio da sua natureza”.

Anaximandro de Mileto, em seu tratado Sobre a Natureza, por sua vez diz que o princípio (arché) é o infinito, descrito como ápeíron (privado de limites). Na verdade ele foi o primeiro a utilizar o termo arché, cujo conceito já era pensado por Tales. O tratado Sobre a Natureza é considerado o primeiro escrito grego em prosa, livre do vínculo poético da métrica e do verso. Nele, Anaximandro descreve o ápeiron como qualitativamente indeterminado e quantitativamente infinito, pois dá origem a coisas diversas, visto que algo determinado e finito não poderia dar origem a coisas contrárias. Dessa maneira, a água também seria derivada e não um princípio como em Tales que também não analisou como há a derivação das coisas existentes; segundo Anaximandro, a derivação se dá por separação dos contrários por uma espécie de injustiça: “O princípio dos seres é o infinito [...] Naquilo de que os seres extraem sua origem, aí se realiza também suadissolução, conforme a necessidade: com efeito, reciprocamente descontam a pena e pagam a culpa cometida,segundo a ordem do tempo” (Anaximandro, fr. 1 In: REALE, G. & ANTISERI, D. História da filosofia. V.1, São Paulo: Paulus, 1997, p.50).

Já Anaxímenes de Mileto, discípulo de Anaximandro, prosseguindo no mesmo intuito de definir o arché propõe que ele é o ar infinito. Inicialmente pareceria estranho sair do ápeiron para considerar o ar infinito como princípio visto que não parece acrescentar nada à explicação de Anaximandro, contudo, Anaxímenes busca um princípio mais racional e uma causa dinâmica da origem; esta causa foi descrita através dos processos de rarefação, que, segundo ele, dá origem ao fogo, e a condensação do ar que dá origem à água e à terra. "O contraído e condensado da matéria ele diz que é frio, e o ralo e o frouxo (é assim que ele expressa) é quente. (PLUTARCO, De Prim. Frig., 7, 947 F.). " Com nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o cosmo sopro e ar o mantém. (AECIO, 1,3. 4.). (Coleção Os Pensadores, Os Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973, p.68).

No próximo artigo, veremos mais um dos grandes filósofos monistas, Heráclito de Éfeso, que também dá um novo passo na compreensão do arché.